"excertos"
“A história de um rio, desde muito pequeno quando nasce e se perde entre o musgo, é a história do infinito. Suas gotas cintilantes atravessaram o granito, a rocha calcária e a argila; foram neve sobre a ponta do frio monte, molécula de vapor na nuvem, branca espuma nas eriçadas ondas.
O sol, em sua rotina diária, as fez resplandecer com formosos reflexos; a pálida luz da lua eriçou-as, apenas perceptivelmente; o raio a converteu em hidrogênio e oxigênio, e logo, num novo choque, fez descender em forma de chuva seus elementos primitivos.
Todos os agentes da atmosfera e o espaço e todas as forças cósmicas, trabalharam em concerto para modificar incessantemente o aspecto e a posição da imperceptível gota; por sua vez, ela mesma é um mundo como os astros enormes que dão voltas pelos céus, e sua órbita se desenvolve de céu em céu eternamente e sem repouso.
Toda nossa imaginação não basta para abarcar em seu conjunto o circuito da gota e por isso nos limitamos a segui-la em seu curso e sua queda, desde sua aparição na fonte, até mistura-se com a água do caudaloso rio e do oceano imenso.
Como seres débeis, tentamos medir a natureza com nosso próprio tamanho; cada um de seus fenômenos se resume para nós em um pequeno número de impressões que temos sentido.
O que é o rio, senão um lugar belo e aprazível onde vemos correr a água cristalina sobre a sombra dos álamos, balançando suas ervas largas como serpentinas e o tremer agitados dos juncos de suas ilhotas?
A margem florida onde gozávamos deitados ao sol, sonhando na liberdade, o atalho tortuoso que bordea a margem e que seguimos com passo lento contemplando o curso da água, a aresta da pedra da qual a água se une no estreito faz se precipitar em cascata ou se desfaz em espuma; eis aí o que em nossa lembrança é o rio, quase com toda sua infinita e complexa natureza, pois que o restante se perde na obscuridade do inconcebível”. (ps. 1 e 2)
[...]
“Aproxima-te da flor, porém não a desfolhes, olhe e diga em voz baixa: Oh, quem tão bom foi!
Na fonte cristalina não jogue nunca pedras; Contempla-a e exclama: Oh, quem tão puro foi!” (p. 2).
[...]
“No meio desse mundo de plantas se agita o mundo infinito dos animais. Peixes azulados, vermelhos, cinzas e brancos, sulcam como raios a cristalina água ou passam sobre as grinaldas do pequeno bosque aquático como si passassem sobre arcadas triunfais.
A vida está em todas as partes; no fundo, onde as formas graciosas são indistintas se agitam sobre a areia e o lodo, entre o espesso tapete de plantas estremecidas constantemente pelas sacudidas de uma pululante multitude, oculta na superfície por onde correm os girinos e se enlaçam os insetos patinadores por entre os juncos onde brilha a asa matizada da libélula, e sobre os arbustos da margem, onde resplandece como uma safira a plumagem do martim pescador.
[...]
A quem pertence, pois, o rio, do qual nos titulamos proprietários com se fôramos os únicos a gozar-lo? Não pertence também, melhor do que a nós, a todos os seres que o povoam, do qual retiram a subsistência e a vida?
Pertence aos peixes e às plantas, aos mosquitos que voam em turbilhão por cima da agitação e às grandes arvores que a água e os aluviões do rio enchem de alento” (p. 39).
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Logo no início Reclus relaciona a história de um rio com o infinito, mostra como uma gota d’água está integrada com o universo. A natureza expressada poeticamente por Reclus.
Vai então relacionar o 'mundo plantas' ao 'mundo animal', peixes, aves, insetos povoando as matas. Então pergunta a quem pertence o rio? Aos seres que o povoam, que dele retiram a sua subsistência.
hilda braga
In:
Projeto Gutemberg
tradução:
Hilda Braga
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