"Alegre-se! Tudo é de todos!"

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

excerto


[...]

Há uma dimensão do sofrimento humano que está ausente desta descrição:

a da angústia lancinante e intolerável que tortura todo o ser esfomeado, assim que acorda. De que modo, ao longo do dia que começa, vai ele poder assegurar a subsistência dos seus, alimentar-se ele próprio?

Viver nesta angústia é provavelmente mais terrível ainda do que sofrer das múltiplas doenças e dores físicas que afectam o corpo sub-alimentado.

A destruição de milhões de seres humanos pela fome efectua-se numa espécie de normalidade gelada, todos os dias, e num planeta a transbordar de riquezas.

No estádio alcançado pelos meios de produção agrícolas, a Terra poderia alimentar normalmente 12 mil milhões de seres humanos, ou seja, fornecer a cada indivíduo uma ração equivalente a 2 700 calorias por dia.

Ora nós somos pouco mais do que uns 6 mil milhões [já se fala em 7 bilhões] de indivíduos sobre a Terra, e todos os anos 826 milhões sofrem de sub-alimentação crônica e mutilante.

A equação é simples:

quem tem dinheiro, come e vive. Quem não tem, sofre, torna-se inválido e morre.

A fome persistente e a sub-alimentação crônica são criadas pela mão do homem. São devidas à ordem assassina do mundo. Todo aquele que morre de fome é vítima de um assassínio.

Mas de 2 mil milhões de seres humanos vivem no que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) chama a
«miséria absoluta», sem rendimento fixo, sem trabalho regular, sem alojamento adequado, sem cuidados médicos, sem alimentos suficientes, sem acesso a água potável, sem escola.

Sobre estes bilhões de pessoas,
os senhores do capital mundializado exercem um direito de vida e de morte. Por meio das suas estratégias de investimento, das suas especulações monetárias, das alianças políticas que efectuam, decidem todos os dias quem tem direito a viver neste planeta e quem está condenado a morrer.

O aparelho de dominação e de exploração mundiais erigido pelas oligarquias desde o início dos anos 90 é marcado por um pragmatismo extremo. É fortemente segmentado e tem pouca coerência estrutural.

E, consequentemente, é de uma complexidade extraordinária e contém inúmeras contradições internas. No seu interior, facções opostas lutam entre si. A concorrência mais feroz atravessa todo o sistema. Entre si, os senhores travam constantemente batalhas homéricas.

As suas armas são as fusões forçadas, as ofertas públicas de compra hostis, o estabelecimento de oligopólios, a destruição do adversário por meio do dumping [é quando o produto é vendido por um preço inferior ao seu custo de produção ou de aquisição] ou das campanhas de calúnias ad hominem [contra a pessoa].

O assassínio é mais raro, mas os senhores não hesitam em recorrer a ele, se for necessário.

Mas assim que o sistema no seu todo, ou num dos seus segmentos essenciais, é ameaçado ou simplesmente contestado -- como no caso da Cimeira [cúpula] do G-8 em Génova em Junho de 2001 ou do Fórum Social Mundial de Janeiro de 2002 em Porto Alegre --, os oligarcas e os seus mercenários constituem um bloco coeso.

Movidos por uma vontade de poder, uma cupidez e uma embriaguez de comando sem limites, defendem então com unhas e dentes a privatização do mundo. Esta confere-lhes extravagantes privilégios, um sem-número de prebendas e de fortunas pessoais astronómicas.

Às destruições e aos sofrimentos infligidos aos povos pelas
oligarquias do capital mundializado, do seu império militar e das suas organizações comerciais e financeiras mercenárias, vêm juntar-se as que provocam a corrupção e a prevaricação correntes em grande escala em muitos governos, nomeadamente do Terceiro Mundo.

Porque a ordem mundial do capital financeiro não pode funcionar sem a activa cumplicidade e a corrupção dos governos instalados. Walter Hollenweg, teólogo famoso da Universidade de Zurique, resume perfeitamente a situação:

«A cupidez obsessiva e sem limites dos nossos ricos, aliada à corrupção praticada pelas elites dos países ditos em vias de desenvolvimento, constitui uma gigantesca conspiração criminosa... No mundo inteiro e todos os dias se reproduz o massacre dos inocentes de Belém».

Como definir o poder dos oligarcas? Qual é a sua estrutura? O alvo histórico? Quais são as suas estratégias? As suas tácticas?

Como é que
os senhores do universo conseguem manter-se, quando a imortalidade que os guia e o cinismo que os inspira não deixam dúvidas a ninguém? Onde está o segredo da sua sedução e do seu poder?

Como é possível que num planeta abundantemente provido de riquezas, todos os anos, centenas de milhões de seres humanos sejam atirados para a miséria extrema, para a morte violenta, para o desespero?

A todas estas interrogações, o presente livro [Os Novos Senhores do Mundo, Jean Ziegler] tenta dar resposta.

______

António Melenas, opina:

São estes senhores do mundo, - o capitalismo sem rosto - que de uma forma que o mundo nunca antes conhecera, exigem:

1.- a subserviência dos governos, a submissão dos sindicatos;

2.- a inoperância dos tribunais, a privatização de todas os serviços e de todos os bens da terra;

3.- a inexistência ou menorização [decrescer pouco a pouco os direitos adquiridos] dos serviços sociais;

4.- a precaridade [insegurança no] de emprego;

5.- o aumento das horas de trabalho;

6.- a redução dos salários;

7.- a mobilidade das empresas para os locais do mundo onde a mão de obra seja mais barata;

8.- a liberdade de despedir os trabalhadores quando tal lhes convier, tudo em nome do lucro e do aumento incomensurável dos seus dividendos.


É isto também que o enigmático tratado da União Europeia de que Sócrates [sobre a participação de Portugal na U. E.] tanto se ufana de ter ajudado a cozinhar, visa nas suas entrelinhas.

Não podemos aderir a um cozinhado de que só os iluminados conhecem os ingredientes. Os seus defensores, se acham que é tão bom, têm de no-lo explicar tim-por-tintim. Se é que são capazes de o fazer.

O tratado tem de ser referendado. Tem de ser dicutido amplamente pelo povo português e pelos povos envolvidos antes de ser aprovado.


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