Viver nesta angústia é provavelmente mais terrível ainda do que sofrer das múltiplas doenças e dores físicas que afectam o corpo sub-alimentado.
A destruição de milhões de seres humanos pela fome efectua-se numa espécie de normalidade gelada, todos os dias, e num planeta a transbordar de riquezas.
No estádio alcançado pelos meios de produção agrícolas, a Terra poderia alimentar normalmente 12 mil milhões de seres humanos, ou seja, fornecer a cada indivíduo uma ração equivalente a 2 700 calorias por dia.
A equação é simples:
A fome persistente e a sub-alimentação crônica são criadas pela mão do homem. São devidas à ordem assassina do mundo. Todo aquele que morre de fome é vítima de um assassínio.
Mas de 2 mil milhões de seres humanos vivem no que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) chama a «miséria absoluta», sem rendimento fixo, sem trabalho regular, sem alojamento adequado, sem cuidados médicos, sem alimentos suficientes, sem acesso a água potável, sem escola.
Sobre estes bilhões de pessoas, os senhores do capital mundializado exercem um direito de vida e de morte. Por meio das suas estratégias de investimento, das suas especulações monetárias, das alianças políticas que efectuam, decidem todos os dias quem tem direito a viver neste planeta e quem está condenado a morrer.
O aparelho de dominação e de exploração mundiais erigido pelas oligarquias desde o início dos anos 90 é marcado por um pragmatismo extremo. É fortemente segmentado e tem pouca coerência estrutural.
E, consequentemente, é de uma complexidade extraordinária e contém inúmeras contradições internas. No seu interior, facções opostas lutam entre si. A concorrência mais feroz atravessa todo o sistema. Entre si, os senhores travam constantemente batalhas homéricas.
As suas armas são as fusões forçadas, as ofertas públicas de compra hostis, o estabelecimento de oligopólios, a destruição do adversário por meio do dumping [é quando o produto é vendido por um preço inferior ao seu custo de produção ou de aquisição] ou das campanhas de calúnias ad hominem [contra a pessoa].
O assassínio é mais raro, mas os senhores não hesitam em recorrer a ele, se for necessário.
Mas assim que o sistema no seu todo, ou num dos seus segmentos essenciais, é ameaçado ou simplesmente contestado -- como no caso da Cimeira [cúpula] do G-8 em Génova em Junho de 2001 ou do Fórum Social Mundial de Janeiro de 2002 em Porto Alegre --, os oligarcas e os seus mercenários constituem um bloco coeso.
Movidos por uma vontade de poder, uma cupidez e uma embriaguez de comando sem limites, defendem então com unhas e dentes a privatização do mundo. Esta confere-lhes extravagantes privilégios, um sem-número de prebendas e de fortunas pessoais astronómicas.
Às destruições e aos sofrimentos infligidos aos povos pelas oligarquias do capital mundializado, do seu império militar e das suas organizações comerciais e financeiras mercenárias, vêm juntar-se as que provocam a corrupção e a prevaricação correntes em grande escala em muitos governos, nomeadamente do Terceiro Mundo.
Porque a ordem mundial do capital financeiro não pode funcionar sem a activa cumplicidade e a corrupção dos governos instalados. Walter Hollenweg, teólogo famoso da Universidade de Zurique, resume perfeitamente a situação:
«A cupidez obsessiva e sem limites dos nossos ricos, aliada à corrupção praticada pelas elites dos países ditos em vias de desenvolvimento, constitui uma gigantesca conspiração criminosa... No mundo inteiro e todos os dias se reproduz o massacre dos inocentes de Belém».
Como definir o poder dos oligarcas? Qual é a sua estrutura? O alvo histórico? Quais são as suas estratégias? As suas tácticas?
Como é que os senhores do universo conseguem manter-se, quando a imortalidade que os guia e o cinismo que os inspira não deixam dúvidas a ninguém? Onde está o segredo da sua sedução e do seu poder?
Como é possível que num planeta abundantemente provido de riquezas, todos os anos, centenas de milhões de seres humanos sejam atirados para a miséria extrema, para a morte violenta, para o desespero?
A todas estas interrogações, o presente livro [Os Novos Senhores do Mundo, Jean Ziegler] tenta dar resposta.
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António Melenas, opina:
São estes senhores do mundo, - o capitalismo sem rosto - que de uma forma que o mundo nunca antes conhecera, exigem:
1.- a subserviência dos governos, a submissão dos sindicatos;
2.- a inoperância dos tribunais, a privatização de todas os serviços e de todos os bens da terra;
3.- a inexistência ou menorização [decrescer pouco a pouco os direitos adquiridos] dos serviços sociais;
4.- a precaridade [insegurança no] de emprego;
5.- o aumento das horas de trabalho;
6.- a redução dos salários;
7.- a mobilidade das empresas para os locais do mundo onde a mão de obra seja mais barata;
8.- a liberdade de despedir os trabalhadores quando tal lhes convier, tudo em nome do lucro e do aumento incomensurável dos seus dividendos.
É isto também que o enigmático tratado da União Europeia de que Sócrates [sobre a participação de Portugal na U. E.] tanto se ufana de ter ajudado a cozinhar, visa nas suas entrelinhas.
Não podemos aderir a um cozinhado de que só os iluminados conhecem os ingredientes. Os seus defensores, se acham que é tão bom, têm de no-lo explicar tim-por-tintim. Se é que são capazes de o fazer.
O tratado tem de ser referendado. Tem de ser dicutido amplamente pelo povo português e pelos povos envolvidos antes de ser aprovado.
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