Este é um trecho do ensaio “O que é Ecologia Social?” (What is Social Ecology?) de Murray Bookchin, importante autor na intersecção entre anarquismo e ecologia, que faleceu em 2006. Esse texto faz parte de um conjunto de quatro ensaios publicados postumamente em 2007 sob o título “Ecologia Social e Comunalismo” (Social Ecology and Communalism).
Assim como as hierarquias e as estruturas de classe haviam adquirido momento e permeado muito da sociedade, também o mercado começou a adquirir uma vida própria e extender seu alcance além de algumas poucas regiões às profundezas de vastos continentes.
Onde a troca havia sido primariamente um meio de prover necessidades essenciais, limitadas por guildas ou por restrições morais e religiosas, a troca de longa distância subverteu esses limites.
Não apenas a troca colocava grande importância na técnicas para a produção crescente, ela também se tornou a progenitora de novas necessidades, muitas delas totalmente artificiais, e deu um tremendo ímpeto ao consumo e ao crescimento do capital.
Primeiro no norte da Itália e nas terras baixas européias, e depois – e mais decisivamente – na Inglaterra durante os séculos XVII e XVIII, a produção de bens exclusivamente para venda e lucro (a produção da mercadoria capitalista) rapidamente pôs de lado todas as barreiras sociais e culturais para o crescimento do mercado.
Ao fim do século XVIII e XIX, a nova classe industrial capitalista, com seu sistema de indústrias e dedicação à expansão ilimitada, havia embarcado na colonização de todo o mundo, incluindo a maioria dos aspectos da vida pessoal.
Ao contrário da nobreza feudal, com seus estimados castelos e terras, a burguesia não tinha lar senão no mercado e nos cofres dos bancos. Como classe, tornou mais e mais do mundo um domínio das fábricas.
Nos mundos antigos e medievais, empresários haviam normalmente investido lucros na terra e viviam como povo do campo, dados os preconceitos de seus tempos contra os ganhos “de má origem” do comércio.
Mas os capitalistas industriais do mundo moderno deram à luz um mercado amargamente competitivo que colocava um alto valor na expansão industrial e no poder comercial que lhe seguia, funcionando como se o crescimento fosse um fim em si mesmo.
Na ecologia social é crucialmente importante reconhecer que o crescimento industrial não resultava e não resulta de mudanças apenas na cultura – ainda menos do impacto da racionalidade científica e tecnológica sobre a sociedade.
O crescimento ocorre acima de tudo por fatores duramente objetivos criados pela expansão do próprio mercado, fatores que são praticamente insensíveis a considerações morais e tentativas de persuassão ética.
De fato, apesar da associação próxima entre o desenvolvimento capitalista e a inovação tecnológica, o imperativo mais impulsionante de uma empresa no cruel mercado capitalista, dada a competição barbaramente desumanizadora que prevalece lá, é a necessidade de uma empresa de crescer para evitar perecer na mão de seus rivais igualmente bárbaros.
Por mais que a ganância possa ser uma força motivadora, a pura sobrevivência exige que o empresário deva expandir o aparato produtivo dele ou dela para permanecer à frente dos outros. Cada capitalista deve, resumidamente, tentar devorar os rivais dele ou dela – ou por eles ser devorado.
A chave para essa lei da vida – para a sobrevivência – é a expansão, e a necessidade para lucros cada vez maiores, a serem investidos, por sua vez, em expansão posterior.
De fato, a noção de progresso, que uma vez já havia sido identificada como uma fé na maior cooperação e cuidado entre os seres humanos, é agora cada vez mais identificada com maior competição e crescimento econômico irresponsável.
O esforço de muitos teóricos ecologistas bem-intecionados e seus admiradores em reduzir a crise ecológica a uma crise cultural ao invés de social desorienta e leva ao erro.
Por mais bem-intecionado ecologicamente que um empresário possa ser, a dura realidade é que a própria sobrevivência dele ou dela no mercado exclui o desenvolvimento de uma orientação ecológica significativa.
segue...
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